Auditoria do TCU apontou fraudes de R$ 3 milhões na Universidade de Santa Catarina e não arquivou o caso; entenda
A auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) em relação às investigações de irregularidades na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) gerou discussão esta semana após um acórdão ser divulgado na internet – de forma equivocada -, causando confusão sobre a decisão da Corte.
A CNN apurou que o TCU analisou dois processos. Um sobre possíveis irregularidades em locação de carros e outro sobre bolsas concedidas na UFSC. No primeiro, os auditores apontaram indício de superfaturamento em um dos contratos no valor de R$ 43,2 mil, mas ao ser apreciado em 4 de julho deste ano, este acórdão foi arquivado.
No entanto, no segundo processo os auditores apontaram fraudes em concessão de bolsas que passam a casa dos R$ 3 milhões. Esse “achado”, que é o termo técnico usado na auditoria quando uma fraude é encontrada, foi aprovado em plenário do TCU em maio deste ano e teve prosseguimento, sem que a UFSC recorresse da decisão.
data-youtube-width=”500px” data-youtube-height=”281px” data-youtube-ui=”nacional” data-youtube-play=”” data-youtube-mute=”0″ data-youtube-id= “29r-s2h0PNA”
Segundo o TCU, entre janeiro de 2012 e junho de 2017, a UFSC pagou 23.279 bolsas, totalizando R$ 22.054.845,00, concedidas a 1.500 bolsistas para atuarem nas funções de coordenador, professor e tutor de cursos de ensino a distância da UFSC.
“Do total de bolsas pagas, foram constatadas irregularidades em 2.985 bolsas, concedidas a 298 pessoas, totalizando R$ 3.197.310,00, conforme relação constante da planilha consolidadora do Achado”, detalha o documento da Corte.
“Verificou-se que 958 bolsas foram destinadas a cursos não realizados e não vinculados ao programa, no montante de R$ 1.048.860,00. Em outras 2.027 bolsas, de professor e tutor a distância, no montante de R$ 2.148.450,00, destinadas a cursos realizados e vinculados ao sistema, verificou-se inexistir na base de dados dos sistemas internos da UFSC os registros necessários para comprovar que o beneficiário exerceu a função da bolsa recebida”, diz outro trecho do relatório dos auditores, que detalha outras fraudes identificadas.
Com os dois processos que correram no TCU, sendo um arquivado, esse foi divulgado na internet como sendo todo o processo e uma falsa informação foi compartilhada de que “o TCU não encontrou irregularidades e o caso foi arquivado”.
Após a repercussão da informação errada que “viralizou”, a Associação da Auditoria de Controle Externo do TCU (AudTCU) divulgou uma nota pública em que diz que “vem a público esclarecer os efeitos da decisão proferida cujo sentido e alcance vêm sendo veiculados com distorções”.
Na nota, a AudTCU detalha que “não procede a ideia veiculada por autoridades nos meios de comunicação no sentido de que, com a decisão do dia 04/07/2023 o TCU teria descartado ‘qualquer irregularidade cometida no episódio pelo ex-reitor’ da UFSC e comprovado ‘sua inocência’”.
A CNN também conversou com a presidente da associação, a auditora Lucieni Pereira. À reportagem, ela reiterou que foram analisados dois “achados”: um dos contratos de aluguel de carros e outro das bolsas de ensino a distância. E que, nesse segundo, os auditores de controle externo encontraram as fraudes que passariam de R$ 3 milhões, conforme acórdão publicado.
A auditora explicou também que o processo está na fase de “monitoramento”. “Após serem encontradas as fraudes, a UFSC não recorreu e teve o período de ajustar os contratos. Estamos na fase de monitoramento e a universidade pode até ser multada”, explicou.
NO CNNa assessoria de comunicação do TCU também confirmou que foram encontradas irregularidades no processo da concessão de bolsas. E que o arquivamento que repercutiu esta semana na internet “tratou apenas de um contrato de locação de veículos celebrado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (Fapeu)”.
Autoridades protestaram
Com a repercussão da decisão do TCU de forma equivocada na internet, políticos e autoridades protestaram contra a operação da Polícia Federal (PF) que, em setembro de 2017, cumpriu mandados de busca e prisões de gestores da UFSC, entre eles, o reitor, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que cometeu suicídio semanas depois de ser preso temporariamente acusado de atrapalhar a investigação.
A apuração da PF não teve relação com a auditoria do TCU, que só começou um ano depois. O inquérito policial começou após denúncias internas da própria Corregedoria da UFSC.
“Preso, acorrentado, algemado e humilhado por uma operação nos moldes da Lava Jato, o reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, foi inocentado pelo TCU. Não houve irregularidades na universidade, Cancellier sempre foi inocente. O reitor, que se suicidou, teve sua prisão decretada pela delegada da PF, Erika Marena, endeusada no filme da Lava Jato, e foi alvo da juíza Janaina Cassol, que teve a sua suspeição apontada pelo STF. Esse é mais um exemplo do mal que a turma lavajatista fez ao país, que a justiça feita dê algum conforto pra família de Cancellier”, escreveu nas redes sociais a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente do PT.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, também usou as redes sociais e anunciou que iria adotar “as providências cabíveis” para apurar possíveis abusos e irregularidades nas condutas de agentes públicos que atuaram no caso.
“Com base na decisão do TCU sobre as alegações contra o saudoso reitor Luiz Carlos Cancellier, da UFSC, na próxima semana irei adotar as providências cabíveis em face de possíveis abusos e irregularidades na conduta de agentes públicos federais”, publicou Dino.
O caso voltou a repercutir por conta da morte do reitor da UFSC. Dezoito dias após ser preso temporariamente, Cancellier se suicidou, e autoridades culparam a operação da PF pela tragédia. Uma investigação interna na Polícia Federal foi aberta, ainda em 2017, para apurar a conduta dos envolvidos e depois arquivada, sem irregularidades encontradas por parte dos policiais.
Após as declarações de Gleisi e Dino, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) também se manifestou, em favor da delegada Érika Marena, responsável pela investigação à época.
“A autonomia funcional e investigativa dos delegados de Polícia Federal é premissa basilar e fundamental para o bom desempenho de suas atribuições e que a investigação policial é consubstanciada numa atuação ética, isenta e imparcial da autoridade policial, buscando, diuturnamente, alcançar a verdade real”.
data-youtube-width=”500px” data-youtube-height=”281px” data-youtube-ui=”nacional” data-youtube-play=”” data-youtube-mute=”0″ data-youtube-id= “_CtcPuRZfE8”
“É inaceitável o estabelecimento de quaisquer rótulos sobre os profissionais atuantes na polícia judiciária, independentemente da ocupação de funções e cargos públicos em governos anteriores ou da coordenação de grandes operações policiais”, destaca a nota da ADPF, em referência à delegada Érika, que foi coordenadora da Lava Jato.
A nota, também assinada pela Federação Nacional dos Delegados de Polícia (Fenadepol), reforça que “as investigações e operações da Polícia Federal contam com a participação do Poder Judiciário e do Ministério Público, cada um na sua seara de atribuições e competências”.
“Espera-se, em relação aos fatos, análise legal e ponderada e que nenhum outro aspecto, alheio a essas balizas, influencie suas decisões, sob pena de incutir verdadeiro temor às autoridades policiais que têm o inafastável dever de investigar e de atuar no combate e elucidação de ilícitos de todos os tipos. Do contrário, estarão enfraquecendo as instituições e gerando um clima de insegurança profundamente pernicioso ao Estado Democrático de Direito”, disse à CNN a delegada Tania Prado, presidente da Fenadepol.
como fraudes
Em setembro de 2017, a operação batizada de “Ouvidos Moucos” teve apoio da Controladoria-Geral da União. Foram cerca de 105 policiais federais que cumpriram mandados judiciais em Florianópolis, Itapema (SC) e Brasília.
A investigação da Polícia Federal apontou que professores da UFSC (especialmente da Administração, um dos cursos que mais recebia verbas para EaD), empresários e funcionários de instituições e fundações parceiras teriam atuado no desvio de bolsas e verbas de custeio para pessoas sem qualquer vínculo com a universidade.
Em alguns casos, segundo a PF, bolsas de tutoria foram concedidas até mesmo a parentes de professores que integravam o programa. Os alvos foram investigados pelos crimes de fraude em licitação, peculato, falsidade documental, estelionato, inserção de dados falsos em sistemas e organização criminosa.
Segundo a PF, também chamou a atenção dos policiais a pressão que a alta administração da UFSC teria exercido sobre integrantes da Corregedoria da universidade que já realizavam internamente uma apuração administrativa sobre possíveis irregularidades. Foi esse o motivo pelo qual o reitor foi preso temporariamente.
No inquérito e pedido de prisão, a PF disse que o reitor “procurou obstaculizar as investigações internas sobre irregularidades na gestão de recursos do EaD, pressionou para a saída de uma coordenadora do curso de Administração e nomeou os professores do grupo que mantiveram a política de desvios e direcionamento nos pagamentos”. A Justiça aceitou.
A CNN procurou a Universidade Federal de Santa Catarina para comentar o caso, mas não obteve retorno. O ministro Flávio Dino também não retornou à reportagem.
Compartilhe: