Comunidades de Minas conquistam lei inovadora para proteção de um rio
Em um cenário de apreensão nacional devido às mudanças climáticas e desastres naturais, como as recentes enchentes no Rio Grande do Sul, comunidades do Norte de Minas se destacam com uma iniciativa ambiental inovadora. Lideranças locais conseguiram a aprovação de leis municipais que reconhecem os direitos do Rio Mosquito, estabelecendo medidas para sua preservação e manutenção do seu volume de água.
Legislação pioneira aprovada
As câmaras municipais de Porteirinha e Serranópolis de Minas aprovaram e sancionaram leis que reconhecem os “direitos do Rio Mosquito”, fundamentais para dezenas de comunidades rurais que historicamente enfrentam a seca. Em Nova Porteirinha, a proposta semelhante está em tramitação, aguardando aprovação. O Rio Mosquito, afluente do Rio Gorutuba, que deságua no Verde Grande, faz parte da Bacia do Rio São Francisco.
Mobilização comunitária e impacto
A proteção dos direitos do Rio Mosquito em Porteirinha resultou de uma mobilização comunitária iniciada há mais de duas décadas, fortalecida após as inundações que atingiram a região no fim de 2021 e início de 2022. Antes dessa iniciativa, apenas o Rio Laje, em Rondônia, tinha um reconhecimento semelhante no Brasil.
A campanha “Todos pelo Rio Mosquito” contou com a participação de famílias agricultoras, organizações sociais e lideranças comunitárias, incluindo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porteirinha, a Associação Comunitária Casa de Ervas Barranco de Esperança e Vida (Acebev), a Articulação no Semiárido Mineiro (ASA Minas), a Cáritas Regional de Minas Gerais e a Cáritas Arquidiocesana de Montes Claros.
Detalhes da legislação
A lei sancionada em Porteirinha, com o mesmo texto aprovado em Serranópolis de Minas e em discussão em Nova Porteirinha, determina que “ficam reconhecidos os direitos intrínsecos do Rio Mosquito, e de todos os outros corpos d’água e seres vivos que nele existam naturalmente ou que com ele se inter-relacionam, incluindo os seres humanos, na medida em que são inter-relacionados num sistema interconectado, integrado e interdependente no âmbito do município”.
A legislação cria o “Comitê Guardião dos Direitos do Rio”, integrado por representantes do poder público e da sociedade civil organizada, com a missão de participar de “todos os processos decisórios públicos ou privados que eventualmente versarem sobre o Rio Mosquito”. O comitê deve preparar um relatório anual sobre a saúde e estado do rio, propondo ações de preservação e melhorias, além de sugerir a execução de obras físicas para impedir sua degradação.
O papel das lideranças comunitárias
A irmã Mônica Barros, fundadora da Acebev, destaca que a luta pela recuperação do Rio Mosquito vem desde a década de 1980, e que a aprovação da lei representa uma “vitória da vida”, especialmente no semiárido, afetado pela falta de água. “A lei é uma grande conquista, primeiramente para garantia da vida das famílias que dependem do rio. Em segundo lugar, por preservar as matas ciliares e depois por assegurar a sustentabilidade ambiental”, afirma. Ela alerta que é necessário garantir o cumprimento da lei, com punições para quem não a respeitar.
Helen Cavalcante Barbosa, atual diretora da Acebev, reforça a necessidade de regulamentação da lei. “Na verdade, a lei é um instrumento jurídico que, depois de regulamentada, pode contribuir para dar voz às necessidades e realidades do rio, podendo inclusive entrar no orçamento municipal, na construção de programas, projetos e muitas outras ações”, explica.
Desastres naturais como catalisadores
O assessor técnico da Cáritas Regional Minas Gerais, Rodrigo Vieira, revela que as enchentes no Norte de Minas e Bahia, entre o fim de 2021 e início de 2022, impulsionaram o projeto de reconhecimento dos direitos do Rio Mosquito. Durante um encontro de construção de um plano comunitário de gestão de riscos e emergências, a revitalização do rio foi escolhida como uma ação estratégica, levando à necessidade de uma lei para proteger o rio.
Expectativas e desafios futuros
O vereador Adão Custódio (PSB), coautor do projeto de lei em Porteirinha, espera uma nova realidade para o Rio Mosquito com a implementação da legislação. “Sem água, não há vida. O rio é tudo para manter o desenvolvimento de várias atividades dos agricultores familiares ribeirinhos, do turismo, dos animais das atividades doméstica e humanas”, afirma Custódio.
Elton Mendes Barbosa, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porteirinha, espera que a lei traga efeitos práticos e que os direitos do rio sejam respeitados, garantindo sua preservação e melhorando a qualidade de vida das famílias ribeirinhas.
Caráter pedagógico e esperança
Aldinei Leão, assessor jurídico do Centro de Referência em Direitos Humanos de Montes Claros (CRH Norte), ressalta o “caráter pedagógico” da lei, destacando que ela foi construída pelos entes humanos que pertencem ao rio. O prefeito de Serranópolis de Minas, Max Vinicius Aguiar Martins (PT), sancionou a lei com a expectativa de uma virada na questão ambiental. “A minha expectativa é de que o rio seja despoluído. Espero também que as matas ciliares sejam recuperadas para dar nova vida ao Rio Mosquito”, declara o prefeito.
Em Nova Porteirinha, a prefeita Regina Freitas (União) aguarda a aprovação do projeto de lei pela Câmara Municipal, vendo com bons olhos a iniciativa de preservação.
Pioneirismo e expansão do projeto
A Lei Municipal 2.251, de 15 de abril de 2024, aprovada em Porteirinha, é a primeira em Minas a reconhecer um ente não humano como sujeito de direitos. Inspirada por essa iniciativa, proposta semelhante tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, apresentada pela deputada Leninha Souza (PT), visando a proteção dos recursos naturais do estado.