Funcionária orientada por gerente a prender cabelos “black power” para não “assustar os clientes” será indenizada
A atendente de uma rede de farmácia em Minas Gerais deverá ser indenizada pela empresa por um comentário racista feito pela gerente da drogaria, conforme julgamento de recurso no Tribunal Regional do Trabalho (TRT). O caso ocorreu na região de Divinópolis, no Centro-Oeste do estado. Segundo o TRT, a gerente de drogaria solicitou à empregada que prendesse os cabelos de estilo black power “numa redinha, para não assustar os clientes”.
Para os julgadores da Quinta Turma do TRT-MG, a trabalhadora foi vítima de conduta ofensiva e discriminatória, de cunho racista, que lhe gerou danos morais.
A decisão é de relatoria da desembargadora Jaqueline Monteiro de Lima, que negou provimento ao recurso da empresa, para manter a sentença oriunda da 1ª Vara do Trabalho de Divinópolis, que condenou a drogaria a pagar à ex-empregada indenização de R$ 5 mil, pelos danos morais sofridos. Por unanimidade, os julgadores acompanharam o entendimento da relatora
As palavras utilizadas pela gerente em sua solicitação à atendente foram confirmadas por testemunha, que ainda relatou que não havia clientes próximos no momento, mas havia “outras pessoas”, e que o fato repercutiu no ambiente de trabalho. Segundo a testemunha, “o RH” teve conhecimento do ocorrido, após comunicação feita “pelos farmacêuticos” no canal da empresa denominado “conversa ética”, mas a gerente não se retratou.
De acordo com a relatora, ficou suficientemente provado o comentário ofensivo feito pela gerente à empregada, impondo-se o dever da empresa de arcar com a reparação devida em razão dos danos morais gerados à trabalhadora. Conforme observou a desembargadora, não houve configuração de assédio moral, porque não se provou perseguição à atendente ou mesmo atos discriminatórios repetidos em relação a ela no ambiente de trabalho. Entretanto, a julgadora ressaltou que um único ato é passível de causar repercussões na esfera íntima, na honra e dignidade do trabalhador, sendo exatamente isso o que aconteceu no caso, tendo em vista o conteúdo racista e discriminatório do comentário.
“Pouco importa, aqui, que o uso de cabelos presos fosse uma regra na empresa, uma vez que não foi esse o motivo apresentado à autora, mas a degradante alegação de que ela iria ‘assustar’ os clientes, caso permanecesse com os cabelos soltos no estilo ‘black power’. Tal alegação, além de ofensiva e discriminatória, tem cunho nitidamente racista, não podendo, de forma alguma, ser respaldada por esta Justiça do Trabalho”, destacou a relatora no voto.
Segundo o pontuado na decisão, nos termos da Constituição da República de 1988, são valores supremos do Estado Democrático de Direito do Brasil a criação de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. Além disso, o artigo 3º da Constituição estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Conforme pontuou a julgadora, é presumível o sofrimento causado à trabalhadora, principalmente considerando que o comentário foi feito na frente de outros empregados, colegas de trabalho.
Ausência de assédio moral, mas não de danos morais
As testemunhas ouvidas relataram que a atitude discriminatória não se repetiu, mesmo quando, em outras ocasiões, a atendente foi trabalhar de cabelo solto ou de trança. A relatora frisou que a ausência de repetição da conduta é suficiente para afastar a caracterização do assédio moral, mas não para afastar o direito à indenização por danos morais no caso de um único fato lesivo, até porque a ofensa realizada se reveste de cunho racista.
De acordo com o entendimento adotado na decisão, o dano causado à trabalhadora é evidente, assim como a culpa da empresa e o nexo causal entre ambos, estando presentes os requisitos necessários ao dever de reparação. Ressaltou-se ainda que o empregador responde pelos atos de seus prepostos (no caso, a gerente), cabendo a ele zelar por um bom e respeitoso ambiente de trabalho, o que não ocorreu.
A alegação da empresa de que a atendente não se valeu do canal de denúncias disponibilizado pela empregadora foi considerada sem efeito para a análise do caso. “A denúncia foi feita, como comprovou a prova oral produzida, sendo irrelevante se diretamente pela autora ou por outra pessoa a seu pedido ou em seu nome, notadamente porque se tratava de um canal para denúncias anônimas”, ponderou a relatora.
Valor da indenização
Também não teve acolhida a pretensão da empresa de redução do valor da indenização. Ficou esclarecido que as circunstâncias apuradas respaldam o valor fixado na sentença, de R$ 5 mil, remunerando, com adequação, o constrangimento moral sofrido pela empregada, atendendo a parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade. Foram considerados a extensão dos danos causados, o grau de culpa da empregadora, sua capacidade econômica e, ainda, o efeito pedagógico da reparação. A trabalhadora já recebeu os valores devidos e o juiz de primeiro grau declarou extinta a execução. O processo já foi arquivado definitivamente.