No STF, Aras defende aumentar responsabilidade de Big Techs
A Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu nesta segunda-feira (15) aumentar a responsabilidade de plataformas digitais sobre conteúdos de teor considerado “sabidamente ofensivo, ilícito ou humilhante em relação a usuário ou a terceiro”.
O órgão, por outro lado, disse que as Big Techs não têm obrigação de fiscalizar previamente todas as publicações legítimas e que estejam amparadas pela liberdade de expressão.
O parecer é assinado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, e foi enviado em uma das ações em trâmite na Corte que discutem a validade de trecho do Marco Civil da Internet, de relatoria do ministro Dias Toffoli.
O caso está pautado para esta quarta-feira (17). Não há certeza, no entanto, quanto à possibilidade de a análise começar. Isso porque, no mesmo dia, os ministros retomam o julgamento do ex-presidente e ex-senador Fernando Collor.
“Dados ofensivos, sabidamente inverídicos, que incitem condutas antidemocráticas ou violadoras de direitos fundamentais, ou que ofendam a reputação de usuários ou de terceiros, sobretudo quando originados de contas inautênticas ou sem identificação, hão de submeter-se ao escrutínio dos administradores das redes sociais e sujeitam os provedores de aplicações de internet, caso falhem na prestação do serviço, à responsabilização civil”, diz trecho do documento.
Conforme o entendimento da PGR, o encarregado pela manutenção da rede social “também o é para a gestão do conteúdo ilícito”, e cabe a ele a responsabilização em caso de omissão.
Em sua manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF), Aras defende uma “solução intermediária” envolvendo a atuação das Big Techs.
De um lado, o procurador-geral argumenta que não cabe às Big Techs “controlar previamente o conteúdo dos dados que transitam em seus servidores”. De outro, porém, defende que as redes sociais devem atuar “com a devida diligência” e independentemente de ordem judicial para:
- Observar os direitos fundamentais e prevenir sua violação;
- Reparar danos decorrentes de condutas de usuários não acobertadas pela liberdade de expressão, a exemplo de “manifestações ilegais desidentificadas, baseadas em fatos sabidamente inverídicos ou de conteúdo criminoso”.
“Exonerar de toda a responsabilidade o provedor de hospedagem ou manter sobre ele a obrigação de perscrutar a lisura e a correção de todos os dados mantidos em seus servidores hão de ser propostas inaceitáveis”, disse Aras, ao argumentar que os provedores não devem ser obrigados a fazer um controle “prévio e maciço” de declarações legítimas.
“(Uma solução intermediária implica, por outro lado,) exigir que atuem de forma preventiva e diligente, disponibilizando ferramentas de fácil acesso para a comunicação de abusos e que permitam uma atuação célere e eficaz para remover conteúdo sabidamente ofensivo, ilícito ou humilhante em relação a usuário ou a terceiro”.
“(Os provedores de internet) hão de adotar comportamento vigilante e proativo, a fim de coibir a difusão de conteúdos inequivocamente ilícitos, além de atuar para facilitar a denunciação por parte de usuários e a apuração pelas autoridades competentes, sob pena de serem responsabilizados por omissão”, declarou Aras.
Marco Civil da Internet
O Marco Civil da Internet é uma lei de 2014 que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.
Atualmente, a norma só responsabiliza as plataformas quando não houver cumprimento de decisão judicial determinando a remoção de conteúdo postado por usuários. A garantia está no artigo 19 da lei.
A exceção é para divulgação de imagens ou vídeos com cenas de nudez ou atos sexuais de caráter privado. Nesses casos, a plataforma deve remover o conteúdo a partir de notificação extrajudicial.
A exceção também está prevista no próprio Marco Civil da Internet, em seu artigo 21.
Há um debate para que as plataformas adotem práticas para coibir a circulação de conteúdos de caráter golpista e criminoso, por exemplo. A questão ganhou mais tração no Brasil depois dos atos de 8 de janeiro, que resultaram na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília.
É dentro dessa possibilidade de aumentar as exceções ao artigo 19 que se centra a manifestação da PGR enviada ao Supremo nesta segunda-feira (15).
Conforme Aras, não há obstáculos a interpretações que, “para além da hipótese excepcional do art. 21 da Lei 12.965/2014 (nudez ou atos sexuais de caráter privado), visem a preservar outros direitos fundamentais – notadamente a dignidade humana, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem – e viabilizar a convivência harmônica entre valores dotados de idêntica essencialidade dentro do ordenamento jurídico nacional”.
Outro ponto defendido por Aras é a necessidade de as redes sociais oferecerem aos usuários um mecanismo de acionamento para a notificação de eventuais abusos.
Segundo o parecer, os serviços de redes sociais podem alcançar milhares de pessoas, independentemente de gênero, classe social, inclinações políticas ou do meio profissional. “A adesão ao serviço e a participação em massa das pessoas impedem que o provedor de hospedagem permaneça completamente alheio ao conteúdo vertido em seus servidores pelos usuários”.
grandes tecnologias
Conforme mostrou a CNNBig Techs manifestaram diferenças quanto às expectativas de mudanças nas regras sobre redes sociais e remoção de conteúdos considerados ilícitos ou nocivos.
Twitter e Google, por exemplo, admitiram a possibilidade de o Marco Civil da Internet passar a listar outras situações em que as plataformas tenham que atuar diretamente para excluir publicações, sem que tenham sido acionadas pela Justiça – sob pena de serem responsabilizadas.
Já a Meta, dona de Facebook, Instagram e WhatsApp, não considerou esse aumento de responsabilidade. A gigante de tecnologia defendeu o modelo atual de regulação do setor, reforçou que tem investido em iniciativas para garantir a segurança dos seus serviços e descartou que seu modelo de negócios privilegia um ambiente tóxico.
As manifestações das empresas foram feitas em audiência pública sobre o Marco Civil da Internet no Supremo Tribunal Federal no final de março.
Apesar da divergência pontual sobre a perspectiva da regulação da internet brasileira, as plataformas continuam concordando sobre a necessidade de manter as normas já existentes e de rejeitar o aumento de sua responsabilidade por publicações dos usuários das redes sociais.
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