Raça e classe no Brasil e Estados Unidos negros

Raça e classe no Brasil e Estados Unidos negros

A experiência de ter participado da maior feira de tecnologia e inovação do mundo, a Web Summit, ocorrida entre o fim do mês de passado e início deste mês no Rio de Janeiro e a entrevista que realizei com um dos maiores intelectuais afro-americano da atualidade, o professor, historiador e autor de vários livros, Ibraim Sudiata, fizeram-me refletir sobre a essência da luta por oportunidades para negros em uma dimensão muito maior. Estariam essas conquistas privilegiando apenas uma pequena elite da comunidade negra?

Explico: como parte de eventos paralelos participei de um jantar em um dos mais badalados restaurantes da cidade do Rio de Janeiro, um desses encontros aconteceu com investidores afro-americanos, militantes da causa negra, jornalistas e até uma das fundadoras do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), a ativista Opal Tometi, que veio para a Web Summit.

Além de pratos especiais oferecidos pelo chef baiano João Diamante, algumas oportunidades também apareceram e foram prioritariamente para quem falava inglês, língua quase oficial do jantar e aí começa a reflexão, em um país onde, segundo pesquisa do British Council, apenas 1% da população fala inglês fluente e “meia boca” não ultrapassamos a 5%, números que devem ser piores entre negros, aquele jantar realmente era para poucos, levando-nos a refletir até onde as oportunidades chegam.

Esse fato é muito bem explicitado pelo professor Ibrahim Sundiata, graduado na Ohio Wesleyan University (1966) e PHD pela Northwestern University (1966) e também ocupou o cargo de diretor da mais antiga e tradicional universidade negra, a Harvard University em Washington DC, o estudioso chama este fenômeno de ascensão da burguesia negra.

Sudiata ressalta: “Em 1959 em meu país um sociólogo negro chamado (E. Franklin) Frazier publicou um livro chamado ‘A Burguesia Negra’, mostrando que ela era formada por professores de escola primária e secundária, pessoas que trabalhavam nos correios ou nos hospitais segregados ou em coisas parecidas, era um grupo conservador, respeitáveis, sempre bem vestidos nas igrejas e sempre falavam mal das massas negras daquela época.”

Quando pergunto sobre o papel positivo das Ações Afirmativas nos Estados Unidos, Sundiata novamente questiona: “As ações afirmativas beneficiaram prioritariamente uma pequena burguesia que já tinha colégio e já estava preparada para a faculdade e as oportunidades; quando olhamos hoje para o grande número de prefeitos, o presidente da república negro que tivemos (Barack Obama) e até da vice-presidente que temos na atualidade (Kamala Harris), é preciso lembrar que a miséria ainda impera entre nós negros, existe uma parcela grande dos afro-americanos semianalfabetos, que mal consegue escrever o nome.”

Ao perguntar sobre o Brasil, uma vez que ele também estuda nosso país, o historiador é taxativo: “No Brasil essa elite conservadora negra tem a questão do mérito, eu tenho isso, porque tenho mérito e os outros não têm”.

A entrevista foi longa e será publicada na próxima edição da revista RAÇA, mas a reflexão ficou: até aonde estamos trabalhando efetivamente para resolver um problema secular de exclusão, discriminação racial da comunidade negra nesses dois países? Ou estamos apenas ajudando na construção de uma pequena elite econômica negra tão conservadora e excludente quanto esse modelo branco que tanto criticamos nos dias de hoje?

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